Quem tem (mais) medo?

Filme com direção de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr


                                Imagem acima: "O Retrato de Dora Maar", de Pablo Picasso.
 

"Quem tem medo" é um filme com características de documentário narrativa, que conta a história real de alguns artistas que vivenciaram  a censura iniciada ali pelos idos de 2013, com o Movimento Brasil Livre,  culminando com a eleição de Jair Bolsonaro, tornado líder da extrema direita no país, ao ser eleito Presidente da República.

Sem explicações didáticas ou doutrinárias, a obra, utilizando-se de trechos das apresentações de cada um dos artistas retratados, mostra, por outro lado, o percurso de uma tendência fascista que, conquanto seja reflexo de cada indivíduo,  também encontrou a representatividade burocrática ideal para impor sua moral e costumes conservadores, contrastando com a desmedida liberalidade capitalista.

A obra mostra também o impacto da censura na vida daqueles artistas performáticos que se vêm rodeados de “vigilantes da moral”,  no mais puro exercício do “Vigiar e Punir”, descrito por Foucault. Regredindo aos primórdios da justiça, além do próprio aparato institucional, pessoas se sentem autorizadas à prática da censura e punição a qualquer comportamento que vá de encontro aos seus preceitos pseudo-éticos que as expressões individuais e coletivas da sexualidade, dentre outros temas que lhes são caros.

O filme impacta por mostrar a realidade atual de artistas performáticos que foram perseguidos exatamente nestes moldes,  no momento em que as perseguições e punições saíram da esfera das ideações e partiram para o campo das agressões concretas, seja por meio de ameaça, e-mails, cartas, pichações, ou exposição a agressões, permitindo o linchamento virtual e real das vítimas.

A reação destes artistas é mostrada através de recortes de cenas. Eles remetem à reação deste outro segmento da sociedade que perigosamente se recusa a se submeter à supremacia branca, misógina, homofóbica e – por que não dizer? – canalha.

"Perdemos a capacidade de dialogar com isso que nos parece inominável" (Maria Marighela)

Assistimos ao filme sem conseguirmos concatenar a inteireza das razões por trás dessa emergente violência ("As pessoas perderam o medo de serem violentas". 

Quem viveu, mesmo na infância, alguma parte dos anos 70, lembra que  o povo brasileiro não é tão pacífico quanto aparenta, nem nunca aderiu aos chamados "novos costumes" - que nada têm de novo. E mesmo quando a ditadura não estava mais em voga e o Brasil se abria a novos rumos na democracia, com a Constituição de 1988, o que esteve em pauta foi muito mais a aquisição de direitos da coletividade, trabalhistas, empresariais, previdenciários. Muitos devem se recordar o quanto foi e ainda é difícil a luta para reconhecimento dos direitos de povos originários, e introduzi-los na nossa Carta Magna, foi algo como um parto difícil. O quanto ainda custa manter as conquistas no campo da igualdade de gêneros. E o que nunca foi um tema abertamente discutido em nenhuma instância política, o direito dos homossexuais, transgêneros, etc hoje abraçados pela sigla LGBTQIAP+.

A arte sempre fez o que a prática política se recusou a fazer: questionar e expor a sonegação da liberdade. Abrir a boca - e todos os sentidos - e expor. E, por isso, quem tem medo desta exposição, provoca o medo no outro. Quanto mais suas culpas e medos são expostos, tanto mais desenterram-se as violências antes camufladas. A arte não tem uma resposta. A arte é resposta, a arte é a expressão irrefreável e inconsciente das individualidades e coletividades que querem esmagar.

Alguns desistem, migram para lugares seguros, auto-exilados, aguardam melhores vislumbres de liberdade, outros permanecem, resistem, desafiam e enfrentam as pedras que lhes vêm de encontro (simbólica e literalmente).

Não há uma solução dada. Não há uma proposta de ação para o futuro. Mas o filme incita à reflexão: Quem - de fato - tem medo?


Danielle Giron

 

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